06-11-2003 A caça ao tesouro é um êxito, embora não termine como se poderia imaginar. A galeria da série ganha três novos personagens, que vieram para ficar: Girassol, Nestor e… o Castelo de Moulinsart Nem todos os enigmas têm solução. E não é pelo facto de ser ficção em forma de banda desenhada que “O Tesouro de Rackham, o Terrível”, oitavo título das aventuras de Tintim, desvenda todos os seus segredos. Um deles continua a alimentar especulações em vários quadrantes: por que razão continua esta história a ser o “best-seller” de Hergé? A leitura do álbum, que é distribuído amanhã com o PÚBLICO, talvez ajude a perceber algumas dessas razões. Nesta altura do ciclo, Tintim e Milu já tinham ganho a companhia permanente do capitão Haddock e a série exibia uma consistência absolutamente palpável. Ora, é nesta aventura – que prolonga e completa a narrativa encetada em “O Segredo do Licorne” e foi publicada pela primeira vez entre Fevereiro e Setembro de 1943 no jornal belga “Le Soir” – que a série conquista três novos personagens. O primeiro é Trifólio Girassol (Tryphon Tournesol na edição original em língua francesa), que entra deliciosamente em cena graças às suas tentativas, nem sempre bem sucedidas, de acompanhar os heróis na busca do tesouro do antepassado de Haddock. Para um cientista distraído e muito surdo, Girassol revela uma persistência a toda a prova e não hesita em introduzir-se clandestinamente a bordo do “Sirius” com o seu notável invento. Um pouco à semelhança do que sucedera com o próprio Haddock, dir-se-ia que o criador do cientista não está ainda inteiramente convencido da espessura do personagem. Outros, menos prosaicamente, serão levados a afirmar que é a própria narrativa que demora a decidir-se pela aceitação do recém-chegado, repudiando de algum modo a intromissão intempestiva desta criatura que parece perdida nas nuvens. Hoje, sabe-se que esta “contratação à experiência” foi plenamente conseguida, com Girassol a tornar-se bem depressa uma das mais marcantes referências desta criação. Nestor, que começa por ser o mordomo dos irmãos Pardal no Castelo de Moulinsart, é o segundo personagem a fazer a sua aparição nas aventuras Tintim. Discreto e sóbrio como se exige a um profissional da sua têmpera, nunca abandonará o seu domínio. Isso significa que as suas intervenções – e algumas delas, como os leitores terão oportunidade de comprovar mais tarde, são absolutamente fabulosas – limitam-se às histórias que têm Moulinsart como palco, a título permanente ou episódico. A aquisição por Haddock do Castelo
de Moulinsart introduz na série este muito especial personagem
arquitectónico. O facto assinala uma viragem importante no percurso
da série, libertando os heróis de uma espécie
de nomadismo que caracterizava as suas vidas. Com efeito, o espaço
confinado do sóbrio apartamento em que Tintim reside no início
de “O Segredo do Licorne” dá lugar a esta mansão e aos
seus rasgados jardins, que funcionam como apaziguador porto de abrigo
ao qual Tintim e Haddock se remetem no final de cada nova aventura – excepto,
claro, quando um certo Rouxinol Milanês está por perto,
como os leitores estarão recordados (“As Jóias de Castafiore”).
A imponência e majestade do ambiente terão o seu efeito
no novo titular do domínio que, por instantes, se sente tentado
a trocar a velha indumentária de marinheiro pelo monóculo
e botas de montar. Mas essa é outra história que não
vale a pena antecipar...
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