23-10-2003 Em plena Segunda Guerra Mundial, uma expedição científica corre contra o tempo e adversários temíveis para tomar posse de um aerólito que caiu nas águas polares. É a sexta aventura de Tintim A cores, com menos páginas e tema sem ligação directa com a actualidade. São estas as características mais marcantes de “A Estrela Misteriosa”, a sexta aventura de Tintim que amanhã é distribuída com o PÚBLICO. Corre o ano de 1941 e a Europa, palco da Segunda Guerra Mundial, está a ferro e fogo. Até então, Hergé tinha desenvolvido as aventuras do seu herói sem constrangimentos de espaço. Ou seja, cada história tinha o número de pranchas indispensável à explanação do tema escolhido. Com “A Estrela Misteriosa” esse privilégio vai acabar, pois a penúria de papel vai obrigar o editor (Casterman) a impor um limite máximo de 62 pranchas para cada álbum. Em compensação, Tintim passa a ser publicado a cores. Outro autor teria visto nessa imposição um factor limitativo, mas não é o que acontece com Hergé, para quem a existência de regras é necessária “para levar a cabo o que tenho de fazer”. Por isso, no dia 20 de Outubro de 1941 inicia-se a publicação desta banda desenhada. Na Bélgica ocupada pelo exército alemão, a prudência aconselha a que não sejam abordados temas de actualidade imediata que poderiam incorrer na intervenção da censura. Aliás, Hergé conhecia por experiência directa o peso dessa tutela, pois tanto “A Ilha Negra” como “Tintim na América” tinham sido retirados do mercado por incluírem elementos narrativos proibidos — personagens e ambientes ingleses, no primeiro caso, o Novo Mundo, no segundo. A “caça” a um aerólito que mergulhou nas águas do Árctico, com todo o rosário de elementos fantásticos e pura aventura, não podia ser mais adequada. Mas mesmo neste caso a abordagem do tema não é assim tão politicamente asséptica como se poderia deduzir — na colisão iminente de uma bola de fogo com a Terra e no clima de catástrofe gerado por essa terrível notícia pode ver-se uma representação figurada da guerra. Além disso, o autor polvilha a história com ingredientes susceptíveis de apaziguar a sanha censória dos ocupantes. Com efeito, de um lado está a expedição do Fundo Europeu de Pesquisas Científicas (FERS), sintomaticamente composta por cientistas de países do Eixo (os aliados da Alemanha) ou neutrais — como é o caso de Pedro João dos Santos, “célebre físico da Universidade de Coimbra”. Do outro, estão os rivais do FERS, que correm sob bandeira dos Estados Unidos (na reedição de 1954 Hergé substitui-a pela de um fictício Estado de S. Rico…) e são capazes de alguns golpes baixos para impedir o herói de chegar em primeiro lugar ao aerólito. Essa intenção deliberada de baralhar as pistas acaba por
ser excessiva, como o próprio Hergé reconhecerá anos
mais tarde. É o caso, em particular, do nome dado ao financiador
da expedição Peary (Blumenstein) que se opõe a Tintim.
Esta alusão tornar-se-ia, após a guerra, “politicamente
incorrecta” e Hergé substituiu aquele nome pelo de um anódino
Banco Bohlwinkel no papel de patrocinador da missão — mas que,
afinal, é também um apelido judaico. E como uma desgraça
nunca vem só, o autor só demasiado tarde perceberá que
o navio em que Tintim viaja para o Árctico tem uma configuração
tal que nunca conseguiria navegar... |