03-10-2003 De rompante, embrenhado na perseguição de um bando de falsários, Tintim entra numa das salas do castelo de “A Ilha Negra” e depara-se-lhe um aparelho de televisão. No pequeno ecrã, transmite-se um festival aéreo em directo, até que o comentador começa a reparar nas acrobacias de um piloto. “Espectáculo alucinante o deste avião que, pilotado com mão segura, executa as acrobacias mais loucas e mais audaciosas…” Até aqui nada de mais. A não ser o facto de o piloto audacioso nunca ter posto os pés num avião e de os pobres passageiros serem os repetitivos Dupond e Dupont. Podíamos estar a ver na televisão um qualquer festival aéreo, em qualquer parte do mundo. Só que Tintim estava a vê-lo em 1937. Nessa época, a televisão era um fenómeno no início de vida, longe da popularidade que começou a ter nos anos 50, em que havia dez milhões de televisores no mundo. Por exemplo, a BBC inaugurou as emissões regulares pouco tempo antes — a 2 de Novembro de 1936, no Alexander Palace, em Londres. Emitia 12 horas por semana. Depois, foi a vez da França, em Maio de 1937, da ex-União Soviética, na Primavera de 1938, e dos Estados Unidos, em Abril de 1939. Em Portugal, a primeira emissão experimental foi a 4 de Setembro de 1956 e as regulares começaram a 7 de Março de 1957. Mas foram os alemães que ganharam aos britânicos no pioneirismo, quando, a 23 de Março de 1935, em Berlim, começaram as primeiras emissões televisivas regulares. Como um incêndio destruiu os equipamentos pouco tempo depois e as emissões foram interrompidas, esse acontecimento é um pouco esquecido. Mas por altura dos Jogos Olímpicos de Berlim, de 1936, tudo estava a postos para as transmissões em directo para várias cidades alemãs. Foram vistas por 150 mil pessoas. Foi no início dos anos 20 que se fizeram as primeiras experiências, nos Estados Unidos e no Reino Unido. E a 26 de Janeiro de 1926, um dos pioneiros da televisão, o escocês John Logie Baird, fez a primeira apresentação pública do sistema de televisão, no seu pequeno laboratório em Londres, demonstrando ser possível emitir imagens em movimento sem fios. A imagem era fraca e difusa. O facto de Hergé pôr Tintim a ver televisão, ainda
que de raspão, demonstra o interesse do autor por esta invenção
tecnológica, que viria a mudar o olhar sobre o mundo. É certo
que o herói não vê nada de relevante na televisão,
apenas as peripécias dos desastrados Dupond(t). Mas outro personagem
dos quadradinhos, o Rato Mickey, está ligado a um dos mais importantes
acontecimentos históricos do século XX, o início da
II Guerra Mundial. Na manhã de 1 de Setembro de 1939, o centro de
emissão da BBC no Alexander Palace recebeu ordem de suspensão
imediata da programação. Era o Rato Mickey que aparecia nos
25 mil ecrãs de Londres e não se pôde despedir. Sete
anos exactos depois da interrupção, recomeçaram as
emissões no mesmo local. Era o mesmo Rato Mickey quem aparecia para
acabar a história que tinha ficado a meio. Era caso para dizer a
frase comum nos primórdios da televisão: “Pedimos desculpa
por esta pequena interrupção de sete anos alheia à nossa
vontade.”
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