19-09-2003
Do "charuto" de Girassol ao Saturno V

Teresa Firmino

Tintim, mais o seu cão Milu, o capitão Haddock e o professor Girassol foram à Lua muito antes de qualquer homem ir lá de facto. Em 1953, 16 anos antes de um ser humano assentar os pés em solo lunar, o professor Girassol embarcou com os amigos num foguetão muito especial, em forma de charuto — um foguetão imaginado por Girassol com todos os pormenores, como se conta no álbum “Rumo à Lua”. Mas até que ponto estava próximo daquele que levou os norte-americanos Neil Armstrong e Buzz Aldrin à Lua, em Julho de 1969? O que há de verdade, por coincidência, ou não, nas aventuras de Tintim?
Antes de mais, há que substituir o nome do professor Girassol pelo de Wernher von Braun, o famoso cientista alemão, nascido em 1912, que concebeu um enorme foguetão para os Estados Unidos, o Saturno V, com 110 metros de altura e três toneladas. E a aventura real da exploração da Lua não se passou na obscura Sildávia, um país fictício, mas nos Estados Unidos da América.
O foguetão em que se empenhou o professor Girassol, o X-FLR-6, era de propulsão atómica, com plutónio. Mas na descolagem e na aterragem usava outro motor, um reactor simples que funcionava com uma mistura de ácido azótico, ou nítrico, e anilina. Estas invenções de Girassol, mais a sua girassolite, um produto à base de silício e que resistiria às temperaturas elevadas, diz ele, evitando que o motor atómico se derretesse, levaram os amigos do professor à Lua.
Mas dificilmente von Braun, um dos pioneiros no desenvolvimento de foguetões, seria capaz de elevar nos céus um aparelho que funcionasse com ácido nítrico, um líquido que é um agente oxidante forte muito utilizado na indústria química, para fabricar por exemplo fertilizantes ou explosivos. Ou que funcionasse com anilina, um líquido incolor e oleoso usado, por exemplo, na produção de corantes. Era oxigénio e hidrogénio líquidos e querosene que os motores do Saturno V, cujo tipo é o foguete, queimavam como combustíveis.
Ao que parece, o Saturno V, o maior e mais poderoso foguetão mais alto alguma vez construído, também não era bem como o X-FLR-6. Ao longo do charuto lunar, que dá a sensação de ser espaçoso, e onde os exploradores andam para cima e para baixo, através de alçapões, distribuem-se as acomodações, com cozinha eléctrica, frigoríficos, beliches ou armários, as câmaras estanques, com a sala dos escafandros lunares e o depósito das mercadorias, ou ainda o depósito de víveres e a demais aparelhagem do posto de comando.
Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins, o astronauta que não pôs os pés na Lua e ficou sempre na nave espacial, não tinham tanto espaço como os amigos de Tintim. Iam todos no terceiro andar, o último do Saturno V, onde seguia o módulo de comando Columbia e o módulo lunar Eagle. Nem o foguetão pousou na Lua, como acontece na história de Tintim; os seus andares foram-se desprendendo, por fases, no decurso da viagem. O foguetão pô-los no espaço, o Columbia meteu-os em órbita da Lua e o Eagle alunou.
Mas tal como nas peripécias vividas por Tintim, em que o primeiro foguetão experimental teve de explodir, não fosse cair em mãos erradas, os Estados Unidos sofreram alguns revezes. A primeira das missões Apolo, que tinham o objectivo de pôr o homem (um americano) na Lua, redundou em falhanço, devido a um incêndio que matou três astronautas durante testes em terra, no início de 1967.
Anos de testes e experiências acabaram por permitir cumprir a promessa do Presidente John F. Kennedy de, até ao fim da década de 60, se chegar à Lua, numa corrida mais política do que científica em plena Guerra Fria com a União Soviética. Anos de testes que, muito antes de a imaginação passar a realidade, estão retratadas aqui e ali em “Rumo à Lua”, com os ratos das experiências a saltarem de dentro do escafandro lunar do capitão Haddock ou com as marteladas na cabeça do professor Girassol, para testar a resistência de um capacete lunar que mais parece um aquário. Plexiglass é o material de que é feito. Outra invenção como a girassolite? Não, existe mesmo. É um plástico muito resistente que, entre outros, tem usos aeroespaciais, como nas janelas dos aviões. Mas o melhor é ler esta história do Tintim e tentar descobrir onde a ficção e a ciência se enlaçam.