13-09-2003
Tintim, um herói que corre mundo
Carlos Pessoa

Esteve em Moscovo e em Chicago, foi a África e à Lua, viajou para o Extremo-Oriente e percorreu os cumes andinos, deambulou por países imaginários com nomes estranhos. Foi imaginado como repórter que passa a vida a correr mundo e a viver aventuras que o imortalizaram.
É um herói de BD, o seu nome é Tintim e foi criado por Hergé.

É um jornalista quase desconhecido aquele que apanha o comboio em Bruxelas, certo dia de Janeiro de 1929, em direcção a Moscovo. Poucos se arriscariam a vaticinar que esta criatura, graficamente linear e narrativamente esquemática — Tintim —, se iria transformar no herói exemplar de aventuras ulteriores e figura fundadora da moderna banda desenhada europeia.
Os actos de criação têm, muitas vezes, explicações singelas. Numa carta enviada a um admirador, em Novembro de 1966, Hergé explica como tudo aconteceu: “A ‘ideia’ da personagem Tintim e do tipo de aventuras que ele ia viver ocorreu-me, creio, em cinco minutos, no momento de esboçar pela primeira vez a silhueta desse herói: isso quer dizer que ele não tinha habitado os meus verdes anos, nem mesmo em sonhos.”
E acrescenta: “É possível que eu me tenha imaginado, em criança, na pele de uma espécie de Tintim: nisso, mas apenas nisso, haveria uma cristalização de um sonho, sonho que é um pouco o de todas as crianças e não pertença em exclusivo do futuro Hergé.”

O herói é, pois, um repórter que nunca é visto a escrever qualquer notícia ou artigo. De facto, ele nasceu para correr mundo e viver as aventuras às quais deve, passados mais de 70 anos, a sua própria imortalidade. Tem a seu lado, e desde o primeiro instante, Milou, um cão inteligente e cúmplice de todas as aventuras, dotado de qualidades que estão muito para além da sua mera condição animal — realista, corajoso e preocupado com o seu conforto, mas também combativo e bastante guloso. E está rodeado por uma vastíssima lista de personagens, de onde se destaca o truculento Haddock, o distraído Tournesol, a inefável Castafiore e os indescritíveis Dupond e Dupont.
Depois de viajar para a União Soviética e denunciar as prepotências do “satânico” regime bolchevista, Tintim tem uma recepção apoteótica em Bruxelas. O êxito desta primeira aventura levá-lo-á em seguida ao Congo, à época uma colónia belga, e depois à América. E não mais pára, ao longo de outras duas dezenas de aventuras através do Médio e Extremo Oriente, Balcãs, América do Sul, Ásia e… Lua.

Ao longo dos anos e das aventuras, Tintim cresce e amadurece, ganhando uma espessura psicológica e ética que mal se detectava naquela primeira banda desenhada — que, aliás, Hergé nunca quis reformular, mantendo o registo original a preto e branco. O herói duro e mesmo cruel das primeiras pranchas dá lugar a um herói positivo e fraterno, sempre disponível para defender os fracos e combater a opressão e tirania sob todas as suas formas.
É esse percurso que os leitores são convidados a trilhar ao longo das próximas 24 semanas, comprando e coleccionando os álbuns de uma edição especial do PÚBLICO com as aventuras de Tintim. O primeiro, “Rumo à Lua”, com uma tiragem de 100 mil exemplares, será oferecido com o jornal da próxima sexta-feira, dia 19 de Setembro.