12-09-2003 Propostas, ideias e sugestões para introduzir Tintim nos programas escolares Quantos antílopes são mortos involuntariamente em “Tintim no Congo”? A resposta precisa é menos importante do que saber que consequências pode ter para um dado ecossistema a eliminação maciça e descontrolada de espécies que pertençam naturalmente a esse mesmo habitat. Deve dizer-se, em abono da verdade, que o herói de Hergé das primeiras aventuras caça pelo prazer do “gag” e não por qualquer outra motivação menos nobre. É também de elementar justiça lembrar que nesse tempo – estamos a falar do início dos anos 30 – as preocupações ecológicas não se inscreviam de todo nos programas sociais ou políticos do planeta… Ainda assim, o editor escandinavo de Tintim não deixará passar em claro estas “perversões” e Hergé lá acabará por salvar o rinoceronte que o herói mata com dinamite na mesma aventura, alterando essa sequência da aventura. Ecologia, Biologia e Ciências da Terra Por outro lado, Tintim faz-nos descobrir, de aventura em aventura, uma dimensão real ou mítica da natureza. Os verdejantes vales da Escócia (“A Ilha Negra”) e as dunas do deserto (“Os Charutos do Faraó”) proporcionam outras tantas abordagens da fauna e flora de todo o mundo (os rododendros nos contrafortes do Tibete na aventura “Tintim no Tibete”, por exemplo), complementada com referências a espécies que hoje estão ameaçadas de extinção (é o caso dos crocodilos em “O templo do Sol”). Finalmente, as áreas disciplinares de Biologia e Geologia, assim como Ciências da Terra e da Vida encontrarão bons materiais de apoio no díptico “O Segredo do Licorne”-“O Tesouro de Rackham o Terrível” (a descoberta dos mundos submarinos e das ricas formas de vida que ali existem), em “A Estrela Misteriosa” (os sismos), em “Voo 714 para Sydney” (vulcões e ilhas vulcânicas) e em “O Templo do Sol” (eclipses), entre outros álbuns. Geografia e História A Escócia de “A Ilha Negra” é uma autêntica balada sobre os Highlands, onde nada parece ter mudado depois de Tintim ter passado por lá. Em “O Templo do Sol”, o herói de Hergé mergulha no sonho inca e no passado glorioso de uma civilização que esconde mal a miséria actual do povo peruano. “Tintim no Congo” aproxima os leitores de uma realidade colonial, que já prenunciava o actual desastre de um continente à deriva. Em “Tintim na América” é o crescimento de uma grande nação, com as suas contradições (criminalidade e lei seca) e movimentações sociais (expansão para Oeste, a importância do petróleo), a que nos é dado assistir. Tintim vai até aos Balcãs (“O Ceptro de Ottokar”), percorrendo o imaginário reino da Sildávia que situa na ex-Jugoslávia, epicentro de um conflito brutal há menos de uma década. A cultura e a civilização egípcias encontram um bom pretexto de abordagem em “Os Charutos do Faraó”. Mais longe, o herói viaja pela China e confronta-se com a presença ocidental em Xangai e o ocupante japonês da Manchúria em “O Lótus Azul”. Anos mais tarde, Tintim regressa ao Extremo-Oriente (“Tintim no Tibete”) para procurar o seu amigo Tchang, que conhecera na aventura precedente, revelando ao mundo as subtilezas de uma cultura que, paradoxalmente, só chegou ao Ocidente depois da invasão do país pela República Popular da China. Política e Direitos Humanos Para além destes aspectos, é pertinente referir que Hergé nunca
virou as costas aos problemas sociais do seu tempo. Assim, o conflito do Médio
Oriente está presente em “Tintim no País do Ouro Negro”; a escravatura
e o tráfico humano atravessam “Carvão no Porão”; a guerra-fria
e o confronto político ideológico entre superpotências são
os temas centrais de “O Caso Girassol”; “Tintim no Congo” é o espelho
das políticas coloniais e o negativo do processo de independência
dos povos africanos na segunda metade do século XX; a condição
da nação tibetana tem uma oportunidade de abordagem a partir de “Tintim
no Tibete”; por fim, Hergé aborda numa óptica não colonialista
a condição dos índios alcoolizados e ridicularizados pelos
turistas em “Tintim e os Pícaros”, que tem como pano de fundo a situação
explosiva na América Latina (guerrilha, combate ao narcotráfico,
corrupção generalizada, etc.). |