18-09-2003
"Rumo à Lua" oferecido com o PÚBLICO
Carlos Pessoa
“Nem selenitas, nem monstros, nem fabulosas
surpresas”. É com
estes objectivos programáticos que Hergé ataca um dos maiores
mitos dos tempos modernos – a viagem à Lua. Rejeitando liminarmente
as abordagens fantasiosas e ingénuas consagradas pela literatura
e pelo cinema dos primeiros tempos, o criador de Tintim aposta numa antecipação
científica tão rigorosa quanto possível, apoiada
em documentação que, afirma, se limitou a “romancear”.
O herói é, assim, o primeiro ser humano a pisar o solo
lunar muitos anos antes de a primeira viagem humana ao satélite
natural da Terra ter sido uma realidade.
Hoje, à distância
de mais de meio século, o enredo
desta banda desenhada parece um pouco pueril, mas se o leitor fizer um
pequeno esforço de imaginação e recuar até ao
princípio dos anos 50 – ainda sem missões Soiuz ou Apolo
nem programas de exploração do espaço ou cinturas
de poderosos satélites de comunicações em redor
da Terra – facilmente se aperceberá da grandiosidade das intenções
de Hergé. O resultado é uma longa aventura que a exigência
de rigor de artista transforma na mais realista de quantas foram vividas
pelo jovem repórter, e que serão publicadas em exclusivo
pelo PÚBLICO.
Esta longa saga lunar começou na revista “Tintim” (edição
belga) em 30 de Março de 1950, prolongando-se até 30 de
Dezembro de 1952. O episódio foi parcialmente remanejado e dividido
em dois volumes (“Rumo à Lua” em 1953 e “Explorando a Lua” em
1954, este a ser distribuído na próxima semana) para a
publicação em álbum, e é esta versão
definitiva que se retoma na presente edição.
“Que querem
que aconteça em Marte ou Vénus? Para mim,
a viagem interplanetária é um assunto vazio de conteúdo”,
declarou Hergé ao seu entrevistador-biógrafo Numa Sadoul
(“Entretiens avec Hergé”, Éditions Casterman), resposta
que revela bem as dificuldades sentidas pelo criador belga ao abordar
a temática espacial. É caso para perguntar o que teria
ele feito se não sentisse de forma tão aguda as limitações
do tema...
As soluções adoptadas nas décadas seguintes
pelos protagonistas da conquista espacial nem sempre caminharam no sentido
do que foi idealizado por Hergé, mas isso não retira mérito
nem interesse à obra. O artista sabia que o tema era “pesado” e
continha alguns escolhos que outros autores não conseguiram evitar.
Ora, o criador de Tintim tinha alguns trunfos que jogou certeiramente.
Um deles consistiu em injectar uma dimensão humorística
na história, sobretudo nas sequências que comportam explicações
científicas. E, acima de todos os outros personagens, Haddock
desempenha esse papel na perfeição. Outro recurso foi a
introdução progressiva de uma dimensão romanesca
na história, com a aparição na narrativa do coronel
Jorgen ou a inesperada traição do engenheiro Wolff.
Mas
não antecipemos os acontecimentos, deixando ao leitor o prazer
de saborear a primeira parte desta aventura. Os 100 mil exemplares de “Rumo à Lua” são
oferecidos amanhã gratuitamente com a edição do
PÚBLICO. 

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