A
Euforia Perpétua A Euforia Perpétua. Na sociedade
contemporânea a felicidade
tornou-se um dever. Quem não entra na corrida por ser feliz é descriminado, é um “cinzentão”,
um “chato”, um inadaptado, alguém que desperdiça a vida,
um looser (para usar um anglicismo muito na voga e que bem reflecte o
actual estado de coisas). A felicidade tornou-se na ideologia dominante.
Dizer que não somos felizes, ou que não nos estamos a esforçar
nesse sentido, é cometer a maior das heresias: “se não és
feliz é porque não queres”. Dever de ser feliz. A existência não
dispensa a dor e o sofrimento. Todo o crescimento faz sofrer, toda a
realização
exige sacrifício. A Idade Média, mal ou bem, aprendeu a
viver com as diversas dores da existência. A felicidade estava
erradicada e era uma promessa de realização num mundo que
tinha de ser conquistado pela passagem terrena. É com o Iluminismo
que a noção de felicidade se torna no elemento chave da
nossa existência. O direito a ser feliz, que surge consagrado na
Constituição americana, passa pelo crivo da burguesia e
transforma-se no “dever de ser feliz”. E esse dever desloca a felicidade
do seu plano contigente para o recolocar no plano da obrigatoriedade. Felicidade instantânea. Ser feliz
passa a ser uma actividade constante e imparável e pode traduzir-se
em dinheiro, consumo, saúde
a qualquer preço, sexo, culto do corpo único, vida longa
e duradoura. E passa sobretudo por evitar a dor e o sofrimento. É assim
que o médico se torna no novo curandeiro da tribo, do qual se
exige que nos devolva o estado arquetípico de sermos felizes,
seja na ponta do bisturi, dando-nos o corpo social ao qual temos direito,
seja pela administração de novas e milagreiras poções
como o Prozac ou o Viagra. As farmacêuticas têm a obrigação
de encontrar novos e diversos produtos legítimos (leia-se legais)
que parem o sofrimento. A ironia da felicidade. Não se pense
que a obra de Bruckner é uma
apologia do pessimismo e do sofrimento. Antes pelo contrário.
Esta busca incessante e neurótica pela felicidade é, acima
de tudo, a primeira condição para não se ser feliz
e perder o contacto com a realidade. Trata-se de uma pretensão
megalómana que anula o princípio da contingência
da felicidade. Tal como os antigos já tinham intuído, a
felicidade vai e vem. Se vier melhor, mas trata-se tão somente
de um facto da vida, tal como a morte e o sofrimento. O AUTOR Pascal Bruckner nasceu em 1948 em Paris. Mestre em Filosofia e doutorado em Letras, foi professor convidado na Universidade de San Diego, Califórnia (1986), e na Universidade de Nova Iorque (1987–1995). Autor de uma vasta obra de ficção e ensaio, escreveu, em colaboração com Alain Finkielkraut, um dos livros charneira da década de 70: A Nova Desordem Amorosa (1977). Em 1995 ganhou o Prémio Médicis de ensaio com A Tentação da Inocência; dois anos mais tarde, o romance Ladrões de Beleza valeu-lhe o Prémio Renaudot. Lua de mel, Lua de fel (1981), adaptado ao cinema por Roman Polanski, é um dos seus romances mais conhecidos. Nos seus ensaios pratica um estilo rebelde e inconformista, situandose sempre em contracorrente e rejeitando sempre as dualidades maniqueístas que ciclicamente as sociedades procuram impor. |