Colecção
Mil Folhas
Em nome do romance
Umberto
Eco
O escritor Umberto Eco explica-nos
neste texto como lhe surgiu a ideia de escrever "O
Nome da Rosa". Um dos maiores "best-sellers"
dos últimos anos que o jornal PÚBLICO distribuiu
gratuitamente a 22 de Maio de 2002. É o primeiro
livro de uma colecção de 30 romances.
Os meus romances nasceram todos de uma
ideia seminal, que era pouco mais do que uma imagem: aquela
que me prendeu e que me trouxe o desejo de ir em frente. "O
Nome da Rosa" nasceu quando me surgiu a imagem do assassínio
de um monge numa biblioteca. Como nas "Glosas ao Nome
da Rosa" tinha escrito que "tinha vontade de envenenar
um monge", esta fórmula provocatória foi
tomada em sentido literal, desencadeando uma série
de questões sucessivas sobre por que é que queria
cometer esse crime. Mas eu de facto não tinha muita
vontade de envenenar um monge (e na realidade não envenenei
nenhum): apenas estava fascinado com a imagem de um monge
envenenado enquanto lia um livro na biblioteca.
Não sei se foi sob a influência
da poética tradicional do romance policial anglo-saxónico,
em que o delito deve ser cometido numa sacristia. Talvez partisse
de algumas emoções que tinha sentido alguns
anos antes, durante um curso de exercícios espirituais
num mosteiro beneditino, onde passeei pelos claustros góticos
e românicos e entrei numa biblioteca sombria onde, numa
estante, encontrei aberto o "Acta Sanctorum", e
aí aprendi que não existia apenas (como me tinham
feito crer) um beato Umberto, que se celebra a 4 de Março,
mas também um santo Umberto, com festa a 6 de Setembro,
e que converteu um leão numa floresta. Foi então,
enquanto desfolhava aquele volume aberto à minha frente,
num silêncio majestoso, entre as lâminas de luz
que entravam pelos vitrais escuros encastrados nas paredes
que terminavam em formas agudas, que tive um momento de inquietação.
Não sei. O facto é que
aquela imagem, do monge assassinado durante a leitura, me
pediu a certa altura para construir qualquer coisa de diferente
à volta dela. O resto nasceu a pouco e pouco, para
dar sentido àquela imagem, após tomar a decisão
de situar a história na Idade Média. Primeiro
achei que devia ter lugar na actualidade, depois decidi que,
visto eu amar e conhecer a época medieval, mais valia
deixá-la como cenário da minha história.
Tudo o resto surgiu por si mesmo, pouco a pouco, lendo, revendo
as imagens, reabrindo armários onde se tinham acumulado
durante 25 anos as minhas fichas sobre o medievalismo, escritas
com objectivos totalmente diversos.
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