Morte em Veneza
Thomas Mann



 


Este livro deu uma ópera
Música para Uma Obsessão

Thomas Mann, para quem a música teve extrema importância nas suas concepções literárias - o exemplo mais paradigmático é o romance "Doutor Fausto" -, conhecia a obra de Benjamin Britten (1913-1976) e sempre achou que o compositor britânico seria a pessoa ideal para escrever uma ópera baseada na sua novela "Morte em Veneza".

O escritor morreu muitos anos antes de a sua aspiração se concretizar, mas decerto ficaria satisfeito com o resultado. O próprio Britten sonhava há muito tempo em converter o livro de Mann numa ópera, mas só o faria no final da vida, com a sua saúde já bastante debilitada devido a problemas cardíacos. A obra foi estreada em Julho de 1973, em Snape Maltings (no Festival de Aldeburgh), e repetida meses mais tarde no Covent Garden, de Londres. O elenco original incluía o tenor Peter Pears no papel titular (o companheiro de vida de Britten, a quem a obra foi dedicada), John Shirley-Quirk no de baixo-barítono e o contratenor James Bowman como Apolo.

"Morte em Veneza" constitui talvez a abordagem mais consistente da obsessão na produção de Britten, concentrando-se sobretudo em Aschenbach, cujos pensamentos, visões e sonhos são a essência da narrativa de Thomas Mann, habilmente convertida num libreto por Myfanwy Piper. O seu longo solilóquio constitui o mais ambicioso papel escrito pelo compositor para Peter Pears e o mais dependente das suas qualidades vocais e poder de caracterização psicológica. Em contrapartida, o jovem Tadzio é uma personagem silenciosa (tem uma actuação coreográfica, tal como a sua mãe e os seus amigos) e todos os restantes intervenientes são vistos de relance através do efeito que produzem em Aschenbach. Britten usa o mesmo cantor (barítono) para a maior parte das personagens secundárias, seguindo a ideia de Thomas Mann de que os mensageiros do destino têm uma mesma identidade. O compositor dá também voz efectiva a Apolo e Dionísio no conflito que Aschenbach vive entre o amor por uma beleza idealizada e a paixão sensual.

Combinando a técnica dos 12 sons com a harmonia tonal, a música é percorrida por uma célula (ré-dó-mi-mi bemol) que sofre diversas transformações e que simboliza quer o nível da degradação física (o crescimento da epidemia de cólera), quer o nível emocional (a corrupção do orgulhoso idealismo de Aschenbach). Veneza é também representada por uma variante deste motivo, acompanhado por detalhes musicais evocadores do seu ambiente: o ondular das águas, os sinos, a acústica de São Marcos, os gritos dos gondoleiros ou dos vendedores ambulantes.

Morte em Veneza" e a redescoberta de Mahler

O belíssimo "Adagietto" da 5ª Sinfonia, de Gustav Mahler (1860-1911), é certamente a associação musical mais corrente e imediata à novela de Thomas Mann. O filme homónimo de Visconti não só popularizou Mahler junto do grande público como veio acentuar o interesse pela sua obra junto dos intérpretes. Até aos anos 60, Mahler fora visto como um compositor fora de moda, autor de obras desmedidas e intermináveis, por vezes triviais, mas a partir dessa época as suas sinfonias entraram gradualmente no repertório de todos os grandes maestros e orquestras. Além de ser uma das suas páginas mais inspiradas, o "Adagietto" é também uma dádiva de amor - um presente a Alma Schindler, a grande paixão do compositor - adquirindo uma simbologia suplementar no filme. Essa dimensão é inerente também à solidão e à morte, já que o famoso andamento da 5ª Sinfonia tem um forte parentesco com o comovente "Lied" "Ich bin der Welt abhanden gekommen" (Afastei-me do mundo), sobre um poema de Friedrich Rückert.