Tiragem de 100 mil exemplares
“Olhos
Azuis, Cabelo Preto”, de Marguerite Duras
Por
Marisa Torres da Silva
Dois
homens, uma mulher, um desencontro. É o ponto de partida
para uma história de amor terrível.
Memória infernal daquilo que não acontece.
Dizia
Marguerite Duras: “Se não houvesse nem mar nem
amor, ninguém escreveria livros.” Ainda bem que
os há — porque, se tal não acontecesse,
“Olhos Azuis, Cabelo Preto” deixaria de existir
e de ficar gravado na memória de quem o lê.
Publicada em 1986, dez anos antes da sua morte, é a
segunda obra que Duras produziu depois do êxito em torno
de “O Amante”. E é um livro intenso, misterioso,
que encerra em si mesmo uma verdade pouco reproduzível
em palavras, de um amor que é e não é
ao mesmo tempo. No final, permanece o mais absoluto de todos
os silêncios. Palavras, para quê?
Mas tentemos. Comecemos pelo princípio da narrativa.
“Uma noite de Verão, diz o actor, estaria no
centro da história.” Uma jovem mulher, de “corpo
longo e flexível”, aguarda no átrio de
um hotel de praia e, pouco depois, encontra-se com um estrangeiro,
igualmente alto e jovem, de olhos azuis e cabelo negro. Simultaneamente,
um outro homem observa a cena através de uma janela
e, atraído pela beleza do estrangeiro, não vê
o rosto da figura feminina. Mais tarde, ao cruzar-se com essa
mulher num café perto do mar, ela já está
só, mas o homem ignora que se trata da jovem que estava
com o estrangeiro. Este é o ponto de partida do livro
— uma cena de equívoco, de encontro e de desencontro,
de espera e de lágrimas.
Uma terrível história de amor. “Talvez
o amor possa viver-se assim, de uma maneira horrível.”
Impossível, aterrador, apodera-se de tudo, além
das forças, além da vida, uma memória
infernal daquilo que não acontece. Atravessa e percorre
aquele quarto onde tudo existe. Para se perder para sempre.
O resto é apenas literatura. E, como diria Jean-François
Josselin, jornalista do “Nouvel Observateur”,
a literatura, em Marguerite Duras, é justamente tudo.
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