Siddartha ou uma lição
da luz
Por Fernando
Magalhães
Na próxima quarta-feira é a
vez de "Siddartha", de Herman Hesse, que foi e
continua a ser livro de cabeceira de muita gente
A maior parte de nós acorda todos os
dias de manhã sem reparar que os olhos continuam fechados
e que tudo em redor se mantém envolto em escuridão.
"Siddhartha", de Herman Hesse, é o livro
ideal para limpar as ramelas e afastar as cortinas do quarto.
É um livro pequeno no tamanho mas imenso e intenso
no que diz. E o que diz, di-lo directamente ao coração,
sem intermediários. Foi escrito em 1922 por Herman
Hesse (1877-1962), alemão naturalizado suíço,
Prémio Nobel da Literatura em 1946 e que logo na infância
declarara que "seria poeta ou não seria nada".
As suas páginas estão cheias de zen. Nada de
espantoso, se considerarmos que a espiritualidade caminha
de Oriente para Ocidente (tenhamos esperança de que
chegue cá a tempo e horas, como está escrito
na luz).
"Siddhartha" foi e continua a ser livro de cabeceira
de muita gente. Para alguns, uma espécie de bíblia
de bolso do Budismo na Índia que tanto enforma a noção
de "eterno retorno" de Nietzsche como ilustra o
naturalismo metafísico (mesmo se o termo lhe repugnava...)
de Alberto Caeiro. Para outros, simplesmente a história
de Siddhartha, filho de brâmane, que se tornou Buda,
e do seu amigo Govinda, personificação do espírito
crítico e do racionalismo ocidentais.
"Siddhartha" é ambas as coisas: uma fonte
de sabedoria e um romance bem contado. Ao longo dos seus doze
capítulos (curiosamente, os mesmos que os arquétipos
do Ser...) conta-se a história de Siddhartha, desde
os tempos de infância, quando "já sabia
pronunciar Om silenciosamente" e "reconhecer Atman
nos abismos do seu ser", até à velhice
e à definitiva iluminação, passando pela
fruição sem reservas da vida mundana e pela
tentação do suicídio. É também
a história do seu amigo Govinda que o segue a par e
passo, em busca de consolo espiritual e de respostas para
o enigma da (sua) vida.
Livro de sabedoria, deslocado dos tempos que correm e, por
essa razão, de leitura indispensável para se
olhar para os tempos que correm com olhos de ver, "Siddhartha"
tem tanto de lição de humanismo como, paradoxalmente,
de libelo contra todas as escolas ou doutrinas de pensamento.
Mas atenção, há uma (a)tensão
e disponibilidade interiores que cumpre preservar, caso queiramos
receber de mãos dadas com Siddhartha, o nirvana. "Nirvana
não é apenas uma palavra, meu amigo - protestou
Govinda - é um pensamento!. "Será um pensamento,
mas devo confessar-te, meu amigo, que não diferencio
muito entre pensamentos e palavras. Para ser franco, também
não atribuo grande importância aos pensamentos.
Atribuo mais importância às coisas." Quem
não se dispuser a ir tão fundo tem, de qualquer
forma, em "Siddhartha", bastante que colher e com
que ficar fascinado. A escrita não poderia ser mais
clara nem directa, possuindo o dom de modificar, senão
a vida, pelo menos a visão daqueles de nós que,
sedentos de Verdade, exclamam como Govinda: "Dá-me
algo que me ajude no caminho, Siddhartha. O meu caminho é
frequentemente duro e escuro". Leia-se, então,
"Siddhartha", como quem segura uma lanterna.
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