“O Crime do
Padre Amaro”
Por Carlos Câmara Leme com
Marisa Torres da Silva
É o título comemorativo dos
dois milhões de exemplares vendidos.
Para assinalar o enorme êxito da Colecção
Mil Folhas, que em seis meses vendeu mais de dois milhões
de exemplares, o PÚBLICO lança agora um número
especial. “O Crime do Padre Amaro”, de Eça
de Queirós, é o título extra da colecção,
nas bancas na próxima quarta-feira.
Em apenas seis meses, a Colecção
Mil Folhas pôs nas estantes dos portugueses mais de
dois milhões de livros. Quarta-feira após quarta-feira,
o PÚBLICO lançou títulos de inequívoca
importância da literatura contemporânea. A histórica
tiragem de 120 mil exemplares da primeira edição
de “O Nome da Rosa”, o “best-seller”
de Umberto Eco, esgotou completamente em todo o país
— e já vai na terceira edição.
O sucesso inicial de “O Nome da Rosa”
foi seguido por tiragens sempre acima dos 90 mil exemplares.
Todas as semanas, autores como Jorge Amado, Ernest Hemingway,
Primo Levi e Italo Calvino passaram a fazer parte do quotidiano
do público leitor português.
Devido a este sucesso inédito no panorama
geral do mercado editorial português, o PÚBLICO
decidiu lançar um livro extra, além dos 30 volumes
que fazem parte da Colecção Mil Folhas. “O
Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós,
é o título escolhido para festejar os dois milhões
de exemplares vendidos.
A obra estará nas bancas na próxima
quarta-feira, ao mesmo preço (jornal+ livro= 5 euros),
com uma tiragem de 100 mil exemplares. Primeiro romance de
Eça de Queirós — tinha, até então,
escrito o singular conto “Singularidades de uma Rapariga
Loira” e, com Ramalho Ortigão, “O Mistério
da Estrada de Sintra” — “O Crime do Padre
Amaro” inscreve-se, na tradição realista-
naturalista própria do século XIX, como um acto
de denúncia. “Investigação paciente
da matéria viva” ou, como o próprio romancista
noutra passagem do seu ensaio “Idealismo e Realismo”
referiu, “laboriosa observação da realidade”,
“O Crime do Padre Amaro” começou por ter
uma primeira versão publicada na “Revista Ocidental”,
em 1875, uma segunda em 1876 e, finalmente, uma terceira,
muito mais longa que as duas primeiras — a qual foi
fixada por Carlos Reis e Maria do Rosário Cunha na
Edição Crítica das Obras Completas de
Eça de Queirós (Imprensa Nacional/Casa da Moeda)
—, de 1880. É hoje consensual que Eça
vai amadurecendo as suas ideias (e ideais estéticos)
aderindo às teses do realismo, embora a última
versão amenise esta tendência.
A história conta-se em poucas linhas.
Em Leiria, uma cidade de província com cerca de quatro
mil almas, um jovem pároco enamorase por uma rapariga,
Amélia. Destes pecaminosos amores nasce um filho que
é assassinado, premeditadamente. Amaro é um
dos muitos membros do clero que mantêm relações
com mulheres (o seu mestre, o cónego Dias, com São
Joaneira, mãe de Amélia, vive quase amancebado),
sendo que, para além, desse poder exercido sobre as
mulheres, a hierarquia da igreja é uma peça
fundamental na relação obscura que mantém
com os poderes estabelecidos, em particular com os políticos.
Todos: os do Governo e os da oposição.
Deste ponto de vista, mais do que os amores
entre Amaro e Amélia, Eça denuncia cruelmente
toda a podridão da pequena burguesia portuguesa, de
que a Leiria é apenas um pretexto: se “Os Maias”,
a obra-prima de Eça, podia ter como título Portugal,
“O Crime do Padre Amaro” é, de algum modo,
a sua primeira e fulgurante incursão sobre uma matéria
que Eça nunca mais perderá de vista: a identidade
nacional. Ou a falta dela.
O romancista tinha apenas 30 anos quando terminou
a versão de 1880. Em 1876, ainda andava com o livro
às costas. Um calvário! Numa carta a Ramalho
Ortigão, roga-lhe: “Pegue no ‘Padre Amaro’
e escreva sobre ele, com justiça, sem piedade, com
uma severidade férrea — o seu juízo —
e remeta-mo. Tenho absoluta necessidade disso.”
Hoje, mais de um século depois da sua
publicação, o cineasta Carlos Carrera, com a
adaptação para cinema de “O Crime do Padre
Amaro”, que estreou em Portugal a 15 de Novembro, poderá
ter respondido às dúvidas do escritor (se dúvidas
existam ainda...). Mas o romance aí está e deve
ser lido. Como primeiro romance, para citar Maria Filomena
Mónica, “pode mesmo ser considerado uma das mais
sucedidas estreias da ficção europeia oitocentista”
(“Eça de Queirós”, Quetzal/Círculo
de Leitores, 2001).
|