Tiragem de 100 mil exemplares
Charles Dickens: o Homem Que Inventou
o Natal
Por Marisa Torres da Silva
Scrooge e Trotty Veck são os protagonistas
de "O Natal do Sr. Scrooge" e "Os Sinos de
Ano Novo". Duas histórias escritas pelo mesmo
autor de "Oliver Twist" e de "David Copperfield",
lidas e recriadas por inúmeras gerações.
O nome Charles Dickens ficou de tal forma associado
ao Natal que, aquando da sua morte, em 1870, uma rapariga
perguntou: "Dickens morreu? Então o Pai Natal
vai morrer também?" Com efeito, os seus contos,
em particular "O Natal do Sr. Scrooge" ("A
Christmas Carol"), exerceram uma visível influência
no modo de celebração da época, desde
o século XIX aos nossos dias. Se Dickens não
inventou o Natal, ajudou pelo menos a criar o seu imaginário.
Antes da publicação de "O
Natal do Sr. Scrooge", em 1843, já tinham emergido
alguns rituais natalícios que se mantiveram ao longo
dos tempos - enfeitar a árvore, cantar "carols"
ou enviar cartões de Natal, uma ideia que apareceu
em 1840 - mas o Natal não possuía a carga emocional
e festiva que tem hoje.
Embora Dickens apreciasse esta altura do ano,
não foi por inspiração momentânea
ou súbito contágio do chamado espírito
natalício que decidiu escrever uma história
sobre um velho sovina que considerava o Natal uma aldrabice.
O quinto filho do escritor estava para nascer
e o dinheiro não abundava. E assim foi editado "O
Natal do Sr. Scrooge" na semana anterior ao Natal de
1843, vendido por 5 xelins. Os lucros, porém, ficaram
bastante aquém das expectativas - os custos de produção
já tinham sido, por si só, elevados - e Dickens
acabou por gastar mais dinheiro na luta contra as edições
pirateadas do livro.
Apesar destes "azares" financeiros,
o certo é que o conto se foi estabelecendo como uma
referência para o Natal, tendo sido adaptado vezes sem
conta para cinema, televisão e teatro (ver caixa).
O Sr. Scrooge, Ebenezer de primeiro nome, o
protagonista do conto "A Christmas Carol", é
uma personagem desagradável e mesquinha, "reservado
e solitário como uma ostra", com um carácter
capaz de afastar qualquer sentimento de simpatia. Até
que, numa noite fria e enevoada, Scrooge recebe a inesperada
visita do fantasma do seu antigo sócio Marley, que
tinha morrido há sete anos. Marley avisa-o de que vai
ser perseguido por três espíritos: o do Natal
passado, o do Natal presente e o do Natal futuro. As sucessivas
passagens pelo tempo provocam uma radical alteração
na personalidade de Scrooge - essa viragem transforma-o num
indivíduo generoso, sensato, bom amigo e bom patrão.
Enquanto a acção de "O Natal
do Sr. Scrooge" se passa na véspera de Natal,
o outro conto, "Os Sinos de Ano Novo" ("The
Chimes"), publicado um ano depois, decorre no último
dia do ano. Toby Veck, mais conhecido por Trotty, é
uma personagem contrária a Scrooge - "era um velhote
fraco, pequeno e magro, mas nas suas boas intenções
este Toby era um Hércules". Também ele
terá um sonho (desta vez, os fantasmas são os
sinos do Ano Novo), que mudará o seu futuro e o da
sua filha Meg.
Mas se ainda precisar de um incentivo
para percorrer as cerca de 150 páginas desta obra,
Dickens faz um apelo no prefácio: "Embrenhei-me
neste assombrado livrinho para acordar o espírito de
uma ideia. Que ele não ponha o leitor de mal consigo,
com os outros, com o tempo ou comigo. Que ele invada agradavelmente
a sua casa e que ninguém sinta o desejo de o pôr
de lado."
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