Tiragem de 100 mil exemplares
“A Lua e as Fogueiras”,
de Cesare Pavese,
amanhã nas bancas
Por Joana Gorjão Henriques
O 24º livro da Colecção
Mil Folhas chega amanhã às bancas com uma tiragem
de 100 mil exemplares. “A Lua e as Fogueiras”
é uma obra onde o protagonista regressa à terra
onde nasceu e se confronta com o passado. Aos
40 anos, um homem regressa à terra onde cresceu. É
órfão, bastardo. Não tem nome, não
sabe exactamente onde nasceu, não tem mulher nem filhos.
O homem sem rosto de “A Lua e as Fogueiras”,
de Cesare Pavese, editado amanhã na Colecção
Mil Folhas, tem a fortuna acumulada ao longo de 20 anos, passados
no último lugar do mundo: a Califórnia, na América.
No regresso a Langhe, na Itália, revisita
os sítios que habitou: a Gaminella, “uma encosta
longa e ininterrupta de vinhas e ribeiras” que termina
em Cannelli, lugar onde outrora o mundo começava; a
Casa da Mora, para onde foi como criado aos 13 anos, onde
lhe deram pela primeira vez um nome, Enguia, e lhe ensinaram
um ofício, onde começou realmente a existir
e conheceu pela primeira vez a angústia do amor: espreitava
as filhas do patrão, Irene e Sílvia, “dois
pêssegos num ramo inacessível.”
O tempo passou e não passou sobre as
colinas; mas levou os corpos dos homens e das mulheres da
sua vida, agora misturados à terra de onde também
nasce o calor, um aroma, “tantos sabores e tantos desejos”
que ele não suspeitava trazer em si. Uma terra adubada
pelas fogueiras das festas de S. João, ciclicamente
mutável como as fases da Lua. É em dois tempos
intercalados e misturados, passado e presente (passado revivido
impressivamente no presente), que se desenrola a obra de Cesare
Pavese. Um livro atravessado por uma angustiante melancolia,
tão imensa como a que se pensa assombrar o homem no
confronto com a morte. Na travessia pelo tempo, pela memória,
no jogo de oposições entre cidade e campo, passado
e presente, perda e reencontro, Nuto — cúmplice
das primeiras aventuras, o amigo da adolescência que
o protagonista queria ser, aquele que tem uma terra, mulher,
trabalho, que não precisou de abandonar aqueles vales
para ter consciência de que “o mundo está
mal feito e que é preciso tornar a construí-lo”
— também não escapou à impossibilidade
do amor, à inevitabilidade da solidão.
O regresso do protagonista ao único
lugar onde ainda pode procurar a sua identidade, dobrar a
sua vida do avesso, é também um espelho do que
um dia o autor escreveu no seu diário, publicado postumamente
sob o título “O Mistério de Viver”:
“A vida é dor.”
Cesare Pavese (1908-1950) escreveu “A
Lua e as Fogueiras” meses antes de se suicidar, em Turim,
num quarto de hotel, quando tinha apenas 42 anos. Considerada
uma das melhores obras do romancista, poeta, tradutor, nome
fundamental da literatura italiana, há quem reconheça
nela ecos da sua vida solitária, marcada por uma necessidade
desesperada de amor (não correspondido), pela amargura
e desolação, por uma infância assombrada
pela morte do pai e vivida com uma mãe dura (que desaparece
quando Pavese tem 23 anos). Escreveu-se, a propósito
de Pavese, que a constatação da sua inadaptabilidade
à vida o fez refugiar-se na literatura.
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