Tiragem de 100 mil exemplares
“Um Quarto com Vista”, de
E. M. Forster,
amanhã nas bancas
Por Alexandra Lucas Coelho
Como uma viagem a Itália desperta
Miss Lucy Honeychurch, inglesinha educada com chá,
partidas de ténis e “Beethoven a mais”
É uma Primavera, no princípio
do século XX. Ingleses mais ou menos abastados desembarcam
em Itália para uma temporada artística, com
o seu quê de Giotto e Boticelli. Alojam-se em pensões
inglesas, comem entre ingleses, passeiam com ingleses. As
solteironas estendem pedaços de gabardine em cima das
velhas pedras, para não se constiparem. Continuam a
tomar chá. A soprar nas luvas, quando as descalçam.
E a acompanhar as jovens solteiras, que não devem,
simplesmente não devem, andar sozinhas. O mundo é
um quarto com vista. Avista-se. Correndo tudo conforme o esperado,
sem riscos, sem história.
A história deste romance é justamente
a de como tudo não correu conforme o esperado a Miss
Lucy Honeychurch, jovem, solteira, mais ou menos abastada
e — salvo quando tocava Beethoven ao piano — aparentemente
tão convencional como todos os seus outros companheiros
da Pensão Bertolini, em Florença.
Miss Lucy Honeychurch não devia, simplesmente
não devia, ter ficado sozinha, certa tarde, nas redondezas
da Piazza della Signoria. Mas ficou. E então viu um
homem ser morto. E tudo se fez escuro. E quando acordou estava
nos braços de um inglês tão jovem como
ela, mas francamente menos convencional, George Emerson, socialista,
arrebatado e melancólico, que dias depois, num passeio
ao campo, terá o desplante de a beijar entre violetas.
Miss Honeychurch tentará fazer de conta
que nada aconteceu. Foge para Roma. Volta à sua casinha
na província inglesa, à mãe, ao irmão,
às partidas de ténis, ao chá. Aceita
um noivo alarmante. Só quando toca piano algo vibra,
não conforme o esperado.
Publicado em 1908 — recuperando
um esboço de história iniciado em 1901, no regresso
de uma viagem a Itália —, “Um Quarto com
Vista” é um dos primeiros trabalhos de Edward
Morgan Forster, ou E. M. Forster, como ficou mais conhecido.
Mas anuncia já o epicentro da obra deste romancista,
ensaísta, tradutor, grande viajante e humanista: o
combate entre convenção social e verdade interior,
desenvolvido depois, em frentes distintas (tradição,
império, homossexualidade), em ficções
posteriores como “Howards End”, “Passagem
para a Índia” ou “Maurice”.
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