Abstenção, brancos e nulos batem todos os recordes
23.01.2011 - 21:01 Por Maria Lopes
As eleições de hoje tiveram uma abstenção recorde em presidenciais - 53,37 por cento, com 99,75 por cento das freguesias apuradas (todas as do território nacional, restando 11 por apurar nos consulados no exterior). O resultado ultrapassa o da reeleição de Jorge Sampaio (50,29%), em 2001. Votos brancos e nulos também atingiram pico histórico.
A maior taxa de abstenção foi registada nos Açores: 68,9 por cento. Ou seja, votaram apenas três em cada dez dos cerca de 222 mil eleitores inscritos. Nos distritos de Bragança e Vila Real, onde o dia começou com os termómetros abaixo de zero, a abstenção chegou a 60,9 por cento e 59,9 por cento, respectivamente.
Braga foi o distrito com maior afluência às urnas: a abstenção ficou-se pelos 47,5 por cento. Além de Braga, apenas o distrito do Porto - com 48,5 por cento de abstenção - teve a maioria dos eleitores a votar
Além do frio, houve, em todo o país, muitos problemas nas mesas de voto ao longo do dia, com dificuldades relacionadas com o cartão do cidadão e o número do recenseamento. O sistema electrónico montado pelo Governo para auxiliar os eleitores falhou.
As eleições também foram marcadas por um elevado número de votos brancos (cerca de 191 mil votos, 4,3 por cento do total) e nulos (mais de 86 mil votos, 1,9 por cento do total). Foi o maior registo de sempre. Em 2006, ambos tinham somado 1,84 por cento e em 2001, dois por cento. O valor máximo anteriormente registado fora em 1991 - dois por cento de votos brancos e um por cento de nulos.
Indiferença, laxismo e falta de confiança
Especialistas apontam como outros factores que propiciam a abstenção o descontentamento face à situação social do país, a falta de credibilidade relativamente aos políticos e a indiferença e laxismo por parte dos cidadãos.
A manutenção de pessoas que já morreram nos cadernos eleitorais (os eleitores-fantasma), como nota Freitas do Amaral, e o distanciamento dos cidadãos face à política são outras explicações para a abstenção.
Como nota Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro, em declarações ao PÚBLICO, “quando há recandidatos é sempre certo que a abstenção aumenta”. O facto de ser uma eleição para Presidente da República também contribui para uma menor participação dos cidadãos. Para este investigador, o Presidente, “ainda que não seja mera figura decorativa, não é quem governa”, o que leva a que estas eleições se tornem “menos atractivas” para o eleitor.
As eleições legislativas acabam por ser mais participativas, por estar em causa a governação, com impacto mais directo na vida dos cidadãos, considera Jalali.
A avaliação dos motivos que levam à abstenção não permite, contudo, traçar um perfil do abstencionista com facilidade. Em Portugal não há um instituto de estatística de opinião que realize inquéritos aprofundados e as empresas de sondagens são privadas e funcionam à velocidade que precisam os partidos e os meios de comunicação social.
Manuel Meirinho, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, considera que “a abstenção deve servir como aviso aos partidos e ao Estado de que o sistema está doente”.
Para mudar, Carlos Jalali defende a necessidade de se apostar na educação e na sensibilização, referindo um estudo que compara duas turmas de 12.º de uma escola de Aveiro, que conclui que os alunos que estudaram ciências políticas se abstiveram menos nas eleições de 2009 do que os que não frequentaram essa disciplina.
As opiniões dividem-se sobre se a solução para contrariar a abstenção passa por tornar o voto obrigatório, como já acontece nalguns países europeus, como a Bélgica, a Grécia, a Itália e o Luxemburgo. Uma solução que, na perspectiva da constitucionalista Isabel Mayer Moreira, é “contraditória com os direitos de liberdade”. E que outro constitucionalista, Tiago Duarte, considera desnecessária. “Não votar é também um exercício de liberdade. Tudo o que é obrigatório cria sentimentos de rejeição e causa reacções epidérmicas”, nota.
Notícia actualizada às 23H23